Burlando o bloqueio criativo


Uma coisa que aprendi nos meus anos de escrita, é que não há como se livrar dos eventuais bloqueios criativos que possam vir a acontecer. E não há choro ou desespero nenhum no mundo que o faça ir embora. 
A primeira atitude a fazer é não culpá-lo por estar atrasando o seu projeto. Problemas eventuais em nossas vidas costumam nos travar, mas não é certo deixar de cumprir prazos e metas por causa de um bloqueio criativo. Você é um escritor, ora bolas! Seja criativo e o encare como um dragão impedindo o resgate do amado ou só como um amigo, que vez ou outra vai dar as caras, e que você precisa aprender a conviver com isso sem se tornar ocioso e ter pena de si mesmo por estar passando por uma fase ruim. Viver é uma merda! Aceite isso que fica mais fácil. 

Aqui vou mostrar para vocês as minhas técnicas para burlar essa sensação de que estou bloqueada. Se vocês procurarem enxergar como um desvio de rota, talvez fique mais fácil do que um enfrentamento cara a cara com o bloqueio. Comigo funciona. 

1- Se desligue de todos as redes sociais

Você escolheu ser escrito, então compreenda que esse é um trabalho solitário. No máximo você precisa de alguém para revisar ou avaliar seu texto, não alguém para bater papo enquanto o está criando. Então se desligar do mundo é sua primeira tarefa. Não dá para criar uma trama interessante para os seus protagonistas se você estiver vendo vídeos de gatinhos fofos no Facebook. 

2- Arranje um lugar todo seu

Esse tem muita ligação com o primeiro item. Se você desligou todos os aparelhos da casa, mas ainda está desconfortável, talvez seja hora de criar um canto para você enquanto escritor, ou adaptar algo que já exista no ambiente onde vive. 
Conheço pessoas que conseguem trabalhar tranquilamente em lugares públicos. Cafés ou praças. Pessoalmente não consigo. Eu preciso do máximo de silêncio possível para escutar as vozes que sopram em minha cabeça. Lugares públicos são muito informativos, seja de pessoas, cores, sons... É inevitável que eu vá me desconcentrar e passar a usar o lugar como laboratório, e não como lugar para criar. 
Isso vai muito de como você processa seu trabalho. Melhor com barulho? Ótimo! Precisa de silêncio? Compre fones de ouvido que abafe ruídos externos e procure aquele canto da casa que só você vai. Se possível, ponha uma placa bem grande "Proibido entrar sob pena de morte" na porta, e aproveite. 
Como tenho filhos pequenos, acabo adaptando todos os lugares da casa para conseguir escrever. Se minha filha dorme no quarto, eu vou para a cozinha. Se minha mãe está na cozinha vendo TV, eu corro para a sala. Juro que já sentei até na área descoberta do banheiro para escrever. O importante é você se sentir confortável com seu ambiente de trabalho. 

3- Busque o que te inspira 

Como citei acima, eu sou uma autora movida a observação. Quando estou passando por algum tipo de bloqueio, sinto que é a hora de pegar meu caderninho de ideias, me afastar da minha rotina diária e analisar pessoas diferentes em lugares diferentes. Se isso não me ajudar a voltar para a história que já estava trabalhando, no mínimo vai me dar ideias novas para personagens novos, ou linhas de tramas diferentes. 
Chamo esse ato de observar e anotar de laboratório. Se sento em uma praça que nunca fui e tem um senhor sozinho, jogando milho para pombos ao redor (mais clichê impossível), eu começo anotando como ele é fisicamente, e então passo para como está seu semblante naquele instante. Com isso em mãos, imagino um motivo para ele estar ali, e daí saiu criando toda uma historinha no caderno em formato de tópicos. Não uma narrativa propriamente, mas questionamentos pontuais acerca de questões que poderiam me ajudar numa narrativa, caso ela se desenvolvesse
Observar pessoas é uma das coisas mais ricas para escritores. 
4- Ouça música 

Não conheço uma única pessoa que não goste de ouvir música. Sério, nenhuma mesmo. 
Pode ser que você curta um estilo completamente diferente do meu, mas certamente gosta de alguma coisa. 
Acredito que música seja a única forma de arte que é emocionalmente universal. É mais provável que alguém não goste de esculturas e teatro do que de música, não é? 
Pois bem, sabendo disso eu sempre monto uma playlist para os livros que escrevo, mesmo que eles não envolvam música. Eu costumo me inspirar na emoção que ela está passando para mim e deixo que aquilo esparrame num capítulo. 
Lembro que uma vez tinha travado em uma cena pesada de Improváveis Deslizes. Estava me consumindo escrevê-la e eu percebi que precisava parar. Então peguei meu celular, fui até o quintal, sentei na escada e fiquei passeando nas músicas do cartão de memória do telefone. Foi quando ouvi "A MÚSICA". Aquela que salvou o capítulo para mim naquele momento, porque tinha o tom certo de tristeza, melancolia e sufocamento que eu precisava. Voltei correndo e o acabei em menos de duas horas.
Não é a letra - e as vezes até é - mas a emoção necessária naquele momento, e em algumas situações isso basta para sair de um bloqueio. 

5- Não se prenda a detalhes

Vejo muita gente que quer ser escritor, mas que não consegue começar porque acha que precisa estudar milhões de livros de teorias antes de dar o primeiro passo. Acredite quando digo que a escrita é um dom. 
É possível que você estude muito e que se torne um escritor mediano que se apega a detalhes de técnica e gramáticas; mas se você realmente tiver talento, esses estudos vão ser apenas o complemento de um cerne que já está lá. Não dá para ser um puta escritor se não houver talento para isso, mesmo com toda técnica do mundo. E também não dá para ser um puta escritor se não estudar a escrita, mesmo com talento. 
Não estou dizendo que não é preciso trabalhar duro. Sim, escrever é acima de tudo para quem é leitor e rala para cacete nisso. É inevitável que você leia bem para escrever bem, e quando falo em ler bem me refiro a qualidade do que se lê, não a quantidade. 
Se você ler vinte livros de teoria, quando for para a prática, vai tentar se firmar em todas as 500 teorias que viu antes mesmo que acabe o primeiro parágrafo. Gente, vocês não vão para lugar nenhum fazendo isso, ok? Tem que sentar e escrever, apenas isso. Escreva merda, escreva merda errada. Muita merda errada. Porque quando você for parar para lapidar o teu texto, 80% dele vai ser modificado, mas a base inteira vai estar lá, e com as ideias genuínas que estavam na sua cabeça sem estar preso as regras. 
Eu só fui ler livros de teoria depois de dois livros escritos. Não por achar que precisava delas para escrever alguma coisa, mas porque queria crescer, e só se cresce em algo com estudo. Então recomendo começar, e só depois pensar se aquela concordância está de acordo com a gramática, tudo bem? 

6 - Toda e qualquer leitura é válida

Você quer escrever um romance de época, mas é um leitor essencialmente de fantasia? Vai encontrar alguma dificuldade, e isso é um fato. 
Eu sou uma escritora essencialmente de romances, mas eles são o que menos leio, porque apesar de amar escrever, não gosto muito de ler sobre eles. Vai entender!
Preciso estar sempre renovando minhas ideias, mas não ler tanto que possa sentir estar copiando o que vejo outras autoras falando. Por isso, cuidado! 
Coma o gênero que você escreve por alguns meses. Espere a ideia assentar na sua cabeça, e daí escreva teu livro enquanto lê outras coisas. Isso vai enriquecer sua história e a você, como pessoa. Saia sempre da sua zona de conforto, ou será só mais um cara com uma história escrita e engavetada numa estante velha. 


7- Esse caminho não está legal? Pare e tente por outro 

Se você travou em uma cena da história que deveria ser um diálogo forte de uma briga entre pai e filho, e seu POV é o do filho, então talvez seja a hora de você abrir um arquivo diferente do computador e tentar narrar aquela cena pelo ponto de vista do pai. Ou do carteiro que viu a briga pela janela, ou do cachorro que lambia a pata e olhava tudo do canto da sala. Só como um teste, não precisa mudar sua história inteira, beleza? 
Ser escritor é sempre experimentar. 
Finja que você é um diretor de arte de cinema levando a câmera nas costas em uma cena desse tipo. Colocar ela na cara do filho seria o lógico, mas pense em quão rico ficaria o texto colocando-a como se fosse os olhos do cachorro - querendo carinho do menino, e que o pai fosse embora e parasse de berrar; ou do carteiro - se perguntando se deveria chamar a polícia ou bater na porta para entregar a conta de luz invés de enfiar na caixa do correio. 
O que vai engrandecer uma cena, é a densidade de detalhes que você acrescenta a ela. E se está difícil seguindo um padrão, então mude-o! Se a gente de entedia pegando o mesmo caminho para trabalhar todos os dias, nossas histórias se entediam de receber o mesmo angulo também. 

8- Tempestade de ideias (Brainstorming)

Brainstorming é uma técnica bem conhecida por equipes de publicidade na intenção de criar ideias novas e diferentes para gerar conteúdos inovadores. 
Como uso ativamente o Brainstorming? Simples, promovendo encontros com meus leitores. 
Quando comecei a escrever A Mais Bela Melodia, eu tinha uma leve ideia do que fazer com os protagonistas até o fim do livro. Mas tudo mudou quando passei a postar no Wattpad, porque os leitores criavam suas próprias teorias, amores e raivas pelos personagens, e isso ia me dando outros pontos de vista que possivelmente não havia parado para pensar antes desses debates. 
Geravam discussões, e de todas elas eu tirava as coisas que eu sabia que podia aproveitar sem perder a essência dos personagens. O final foi completamente modificado, e não tenho vergonha em dizer que foi movido aos leitores, porque eu quem escrevi o livro, e se escrevi daquele modo, foi porque achei que fazia sentido. Usei das tempestades de ideias deles para melhorar as minhas ideias empacadas e rasas. 
É como se fosse um grande jogo de RPG. Um escritor é Deus com uma vida em uma balança, pensando se ferra com ela de vez ou a melhora. Os leitores são o juri justo e ponderado - ou não. hehe. O fato é que essa é uma boa técnica para sair do marasmo da escrita solitária. 

9 - Mostre as pessoas a sua história

Como falei, essa interação é bem importante para o escritor. Tanto pelas ideias que surgem, como pela cobrança para que você não pare. 
Quando eu me comprometo em lançar um capítulo por semana no Wattpad, por exemplo, eu tento cumprir isso. Vou trabalhar a semana inteira, lutando contra os bloqueios, e trato de escrever de pouco em pouco até completar o capítulo. Eu me comprometi com aquelas pessoas. E se isso for a única forma de fazer com que meu livro seja escrito em 5 meses invés de 2 anos, então acho uma ideia válida. 
A unica coisa negativa - para mim - nessas plataformas é unicamente a impossibilidade de escrever seu livro em concursos literários pelo Brasil, por perder o inédito, mas se você está seguro quanto a isso, e garanto que é um ótimo recursos de conquistar leitores e amigos escritores, então siga firme. Entenda qual o teu público e o que pode fazer por ele. 

10 - Prazos e metas

Essa é a parte complicada porque exige que você seja uma pessoa um tanto quanto organizada. 
Todo mundo que me conhece sabe que trabalho com roteiro. Escrevo o roteiro daquele livro inteiro antes de começar, como se fosse um roteiro de cinema, e a partir disso divido pelas semanas que vou  precisar para concluir. 
Se o livro tem 40 capítulos, em média preciso de 40 semanas para fazer. Pode ser que faça em mais, ou em menos, mas essa é minha meta. Sei quando um capitulo vai comer mais tempo, e quando não vai ter tanta coisa assim e posso fazer dois na semana. Também levo em conta uma semana tribulada, como festas ou vésperas de prova do filho. É necessário um calendário e paciência para construir esse gráfico e mapa menta. 
Claro que a história muda muito do início até o fim em relação ao roteiro, mas a base dele está lá. Só trabalho com o tempo que tenho em cima dela. 
Mas se você não trabalha com roteiros na hora de escrever, pode tentar por em meta um capítulo por semana e seguir daí. Não poderá dizer quando vai começar, mas pelo menos tem uma meta para se guiar. 

Mas olha, se você aplicou todas essas técnicas e ainda se sente bloqueado, talvez seja a hora de parar por algumas semanas e se ocupar com outras coisas. Uma viagem, uma maratona de séries no Netflix (Stranger Things, cof! cof!) ou ver os filmes do Woody Allen. Muda a sua rotina e deixa a história decantar. Vocês vão ver que ela vai te guiar para onde parou. É belo e natural esse processo. Não se desespere! 

Até a próxima! 

XOXO