Resenha de "Mentirosos" (E. Lockhart)



"Simplesmente Fabuloso"

Sinopse: Cadence vem de uma família rica, chefiada por um patriarca que possui uma ilha particular no Cabo Cod, onde a família toda passa o verão. Cadence, seus primos Johnny e Mirren e o amigo Gat (os quatro "Mentirosos") são inseparáveis desde os oito anos. Durante o verão de seus quinze anos, porém, Cadence sofre um misterioso acidente. Ela passa os próximos dois anos em um período conturbado, com amnésia, fortes dores de cabeça e muitos analgésicos, tentando juntar as lembranças sobre o que aconteceu. "Emocionante, bonito e devastadoramente inteligente, 'Mentirosos' é absolutamente inesquecível." - John Green, autor de "A culpa é das estrelas" "Uma história assombrosa sobre como as famílias vivem suas próprias mitologias. Triste, maravilhosa e real." - Scott Westerfeld, autor de "Feios"


Existe uma frase de uma música do Queen chamada The Show Must Go On, que pensei muito enquanto lia Mentirosos. Ela diz mais ou menos assim "Por dentro meu coração está partido/ Minha maquiagem pode estar se dissolvendo/ Mas meu sorriso continua/ O show deve continuar". Esse é o clima da família Sinclair, e talvez seja essa a principal característica deles, e o que vai conduzir a trama até o final. 

A família Sinclair é dessas ricas. Tão rica que tem uma ilha própria para passar o verão. Cada filha do patriarca tem uma casa nesse lugar paradisíaco, fora a casa dele, que é a maior e principal. 

Nossa protagonista é a Cadence, uma das netas Sinclair. Ela junto com os primos Johnny, Mirren, e o amigo de Johnny, Gat, são os mais velhos da nova geração da família. Todos na ilha os chamam de Mentirosos. 

No começo da história você sabe que algo aconteceu nessa ilha no verão dos 15, que é como eles chamam o verão em que eles tinham 15 anos. Cadence sofreu uma perda de memória nesse verão durante um acidente, e desde então ela não voltou. Não lembra do que aconteceu, mas sabe que foi algo grande. 

Passou as últimas férias em companhia do pai, viajando pela europa, e sem ter contato algum com nenhum dos Mentirosos por mais de ano. E quando chega o verão dos 17 e sua mãe vem dizer que ela vai fazer outra viagem com o pai, Cadence resolve bater o pé e dizer que quer ir para a ilha. Ela sente que precisa descobrir o que aconteceu com ela e porque sente tantas dores de cabeça e lapsos de memória violentos quando se esforça para lembrar. 

Então, em termos de enredo eu vou parar por aqui. Acho que o principal que vocês precisam saber sobre ele é que Cadence é uma Sinclair, e sim, isso conta muito em relação a personalidade da personagem. Que ela tem esse vínculo louco com os três amigos: Johnny, Mirren e Gat, e que algo aconteceu nessa ilha dois anos atrás. Algo que a mudou, e que mudou toda a família Sinclair. 

Gente, essa é uma das resenhas mais difíceis que já fiz em três anos de Irreparável. Não só porque achei o livro bem construído e conduzido, mas também porque ele me deixou com uma sensação de vazio enorme depois que acabei, e daí não conseguia organizar as ideias para vir escrever deixando meu amor pela história de lado, e me focando em transmitir para vocês o que ele realmente fez comigo. 

Li Mentirosos em algumas horas de um domingo. Não é um livro grande, e a história não vai te deixar em paz para fazer muita coisa até que o termine. Esse clima de suspense e mistério que permeia a família e essa ilha te prende de tal forma, que o desligamento não acontece quando você vira a última folha, bem ao contrário. Fiquei presa com eles por mais alguns dias. 

Acredito que o burburinho feito pelos blogueiros com Mentirosos gera nos leitores futuros uma curiosidade e uma observação que um leitor desavisado não teria. Por exemplo, eu fui ler Mentirosos sabendo que existia uma grande revelação no fim, e que você não desconfia até que chegue. Então a todo momento eu parava de ler e avaliava os comportamentos estranhos de alguns personagens durante a trama. E, acredite, terão muitos desses comportamentos. 

E posso dizer que demorei muito, mas descobri qual era o final antes dele aparecer. Acredito que ter visto muitos filmes de suspense tenham me ajudado nessa investigação em  relação a essas pessoas. E depois que eu vi que era isso, passei a lembrar dos tais comportamentos estranhos e pensar... caraca, é lógico que é isso! Então depois que você descobre vai ser achar meio bobo por não ter pensado na resolução antes. 

A escrita da Lockhart é uma delícia. Todo mundo falando o quanto ela é maravilhosa escrevendo, e de fato concordo. A quantidade de metáforas que ela emprega no livro deixa ele com um teor poético grande e belo. É um texto belo, acima de qualquer coisa. Mas acho que a magia da autora caiu em mim quando ela construiu essa trama de forma amarrada e perfeita. Não se acham furos. E você vai notar que muitos leitores repetiram essa leitura quando acabaram a primeira vez, justamente na busca dessas falhas que a primeira vez não permitiu enxergar. Mas gente, é muito primoroso. 

Essa família é como se fosse uma teia maluca de problemas e segredos sem fim. Cada personagem tem uma particularidade inusitada e  parece encaixar na de outro de modo direto. O avô, as tias, os primos, os parentes mais distantes... Eles lembram um quebra cabeça que você sente necessidade de desvendar. Cada frase, cada pessoa extra, cada cenário e detalhe vai fazer você querer entrar na história e andar por ali, em busca de pistas que entreguem onde está o furo. 

Lockhart foi muito sensorial ao desenhar essa trama. Meio que você se pega sentindo o calor do sol de verão, ou a textura da areia no pé. Ou ainda o vento com cheiro de algas e sal batendo no rosto. Meus sentidos ficaram altamente aguçados ao ler Mentirosos, e não é todo autor que consegue isso comigo. 

Outro ponto importante que quero levantar, é que terminei a história com uma sensação de que minha narradora não era confiável. Quando tudo se revela e as peças caem, você entende porque a família estava se comportando daquele modo, e porque nada pôde ser revelado antes. E ainda assim depois que tudo acaba você para e pensa... Mas será? Ou isso é alguma jogada de Sinclair? Minha narradora está me contando a verdade, ou uma verdade dela? Essa dúvida me come até agora. 

Mentirosos entrou na minha difícil lista dos favoritos de 2014. Pelo enredo inusitado, pela escrita genial, pelos personagens bem delineados e pelo suspense melancólico de arrancar os cabelos. 

É apenas uma família tradicional e certinha de algum lugar, como tantas por ai, que esconde segredos tenebrosos porque um Sinclair tem que ser sempre um Sinclair, e isso significa levantar a cabeça e seguir em frente, não importa como seja. 

O que acontece na família, fica na família.