Resenha de "A Máquina de Contar Histórias" (Maurício Gomyde)

"Encantador "

Sinopse: Na noite em que o escritor best-seller Vinícius Becker lançou A Máquina de Contar Histórias , o novo romance e livro mais aguardado do ano, sua esposa Viviana faleceu sozinha num quarto de hospital. Odiado em casa por tantas ausências para cuidar da carreira literária, ele vê o chão se abrir sob seus pés. Sem o grande amor da sua vida, sem o carinho das fi lhas, sem amigos... O lugar pelo qual ele tanto lutou revela-se aquele em que nunca desejou estar. Vinícius teve o mundo nas mãos, e agora, sozinho, precisa se reinventar para reconquistar o amor das filhas e seu espaço no coração da família V. Uma história emocionante, cheia de significados entrelaçados pela literatura, mostrando que o amor de um pai, por mais dura que seja a situação, nunca morre nem se perde.

Eis a minha primeira experiência com Gomyde. Não posso dizer que estou decepcionada com ela. Aliás, digo de peito inflado que me pegou em um momento onde realmente eu precisava ter lido esse livro. Como blogueira, como escritora e como mãe, que se vê com o tempo diminuto para o filho simplesmente porque tem mais facilidade de conversar com uma página de Word em branco do que com ele. É um erro meu que empurro constantemente para debaixo do tapete, e que esse livro veio como um vento poderoso para tirar meu erro do esconderijo secreto. 

Conhecemos logo de início, num lançamento grande e imponente de um dos seus livros, o tal do escritor, que é A Máquina de Contar Histórias, como seus fãs e críticos costumam chamar. Vinícius Becker. Até o nome dele é coisa elegante, gente. 

Eis um cara que tem facilidade enorme de criar elementos para estruturar suas histórias, apesar de achar que não é um bom observador de pessoas, ou que não sabe o que é sentir metade das coisas que seus personagens sentem. Ele é metódico e entende muito de regras para escrever, mas não aplica nenhuma das singularidades dos seus livros à própria vida, e percebe isso da pior foma... quando uma ligação lhe diz que a esposa que tinha câncer acabara de morrer. 

Nosso amado escritor volta para casa para ser realmente um pai e cuidar das filhas Valentina, uma adolescente que o culpa pelo abandono da mãe doente; e Vida, uma menina linda e cheia de luz que sempre traz leveza aos momentos mais tensos. Juntos eles tem problemas enormes para enfrentar, já que Vinícius nunca foi muito bom no papel de pai desde que a esposa adoecera. É um caminho longo e meio culpado por parte dele, e rancoroso e difícil por parte de Valentina. 

Ele vem com ideias para tirar a família do fosso onde se instalou e lhes devolver um pouco de paz, como um pouco da sensação de bem estar que uma família poderia promover um ao outro. É um trabalho delicado por parte dele, e que é mal recebido de início pela filha mais velha. 

Então em resumo a história é sobre um homem que precisa de redenção na vida depois de ter abandonado a mulher, por não saber lidar com a doença dela, e as filhas, que não entendem exatamente o que ele é e o que é capaz de fazer por elas. 

Veja bem, não posso mentir e dizer que Gomyde não foi mestre em transformar uma situação difícil, mas corriqueira, em um achado literário. Penso que Vinícius tinha uma jornada muito maior do que reconquistar o amor da filhas. Acredito que ele precisava também de uma reestruturação enquanto escritor. Ele mesmo sentia que seus personagens pareciam ter uma vida mais delineada do que a dele. E posso garantir que ser escritor é uma profissão altamente solitária e cheia de abnegação, então eu entendo essa agonia de Vinícius. 

A jornada empregada, no meu ver, é muito mais pessoal do que altruísta em relação as filhas. E não estou dizendo que ele não fez por ama-las, mas que ele percebeu estupidamente rápido demais que era isso o que ele precisava fazer para reconquista-las. E olhe que sou a favor de qualquer coisa quando o resultado é unir uma família. Mas sinceramente? Eu não consegui ver Vinícius fazendo aquilo puramente por elas. Era como se esperasse o tempo perfeito para voltar e ser um pai. Como se a morte da esposa tivesse sido o que ele aguardava para fazer a coisa certa. 

Que o cara estava perdido? Não tenho dúvidas. Que ele não soube lidar com a doença? Caraca, e quantas pessoas realmente sabem? As vezes a gente empurra com a barriga porque não tem opção. Fugir foi errado? Claro! Mas não o julgo por isso. Na verdade penso que Vinícius foi mais humano para mim quando se comportou como um medroso, do que quando uma coragem instantânea se abateu sobre ele. Eu gostei de como o autor começou com a proposta do cara, mas realmente não me identifiquei com o novo Vinícius que precisou de uma semana para entender o que deveria ser feito. Luto leva tempo, mesmo que a pessoa abre o peito para a correnteza e entenda que foi necessário. 

Talvez o problema tenha sido que o livro foi curto demais. Talvez o tempo para estruturar o cérebro tivesse que ser maior para ser real. Eu leria tranquila mais 100 páginas desse livro para conhecer Vinícius ao ponto dele não me incomodar, ou do relacionamento das filhas ser uma coisa singela e vagarosa, e não movida a viagens épicas ou sorvetes imensos. Eu queria ver Vinícius quebrando a cara alguns dias ao lado delas, no cotidiano delas, para eu sentir que ele mereceu o que precisava. E não. Não estou dizendo que queria que ele sofresse, mas que a jornada dele fosse muito maior com coisas banais do que realmente pareceu ser com o extraordinário. 

Eu amei esse livro por conta da reflexão dele. Eu sentia a cada página que lia que um pedaço meu estava sendo arrancado e mandado para a tinta cheirosa das folhas dele. Me vi altamente interligada à Vinícius de uma maneira que apenas quem tem trabalhos solitários, e um tanto egoístas, conseguem. Eu amei cada verso ligado à escrita e amei cada atitude literária escondida nos gestos pequenos do personagem. Você acaba de ler se sentindo capaz de conquistar o mundo com palavras, e é uma sensação de poder e completude inesquecíveis. 

Sabe uma coisa que eu acho que teria deixado o livro perfeito para mim? Ele ser narrado em primeira pessoa. Eu bato palmas para o autor e sua incrível capacidade de criar um mundo de sentimentos em parágrafos distanciados, mas eu senti falta de entrar mais ainda no pensamento do protagonista ao ponto de dissecá-lo. Senti falta desse momento de ligação que experimento com os personagens em primeira pessoa dos livros que leio. 

É um livro reflexivo e que fala de recomeço, portanto nem todos irão gostar. Pessoalmente eu gostei pra caramba e fiquei emocionada com mais cenas do que achei que fosse possível. Recomendo para quem curte uma leitura introspectiva, mas principalmente para você que trabalha com escrita e que se isola no seu mundo de faz de conta, criando heróis para dragões inventados quando nem mesmo sabe enfrentar os seus.